Sigilo médico: fundamentos, implicações éticas e consequências legais na prática profissional

A Assessoria Jurídica da APM reflete e discorre sobre a legislação aplicada para situações que versam sobre o sigilo médico No último domingo (1º), repercutiu na mídia de todo País a prisão de uma médica que trabalhava na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Ipiranga, zona sul de São Paulo, sob suposta acusação de desacato, que teria sido motivada pela negativa em apresentar boletim médico e/ou informações sobre um paciente. O caso está sendo objeto das devidas apurações nas esferas competentes, inclusive se houve eventual excesso, e enquanto aguardamos o deslinde, vale aqui refletir e discorrer sobre a legislação aplicada para situações que versam sobre o sigilo médico. O Código de Ética Médica (CEM) contém as normas que devem ser seguidas por todos os médicos no exercício de sua profissão, inclusive nas atividades relativas a ensino, pesquisa e administração de serviços de Saúde, bem como em quaisquer outras que utilizem conhecimento advindo do estudo da Medicina. O Capítulo IX do CEM é dedicado ao Sigilo Profissional, que é um pilar fundamental na relação médico-paciente, e está relacionado ao dever de confidencialidade de informações médicas relacionadas ao paciente. O sigilo médico é um direito do paciente, sendo um dever do médico mantê-lo, podendo, portanto, só ser quebrado mediante o consentimento por escrito do paciente ou mediante situações permitidas por lei. Logo, a regra geral é o sigilo médico. Nos termos do Código de Ética Médica, é vedado ao médico: Artigo 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. Parágrafo único. Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal. Art. 74. Revelar sigilo profissional relacionado a paciente criança ou adolescente, desde que estes tenham capacidade de discernimento, inclusive a seus pais ou representantes legais, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente. Art. 75. Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação em geral, mesmo com autorização do paciente. Art. 76. Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade. Estabelece, ainda, o artigo 85 que “é vedado ao médico permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por pessoas não obrigadas ao sigilo profissional quando sob sua responsabilidade”. Logo, todos que de alguma forma participam dos cuidados de um paciente têm responsabilidade com o sigilo, extensiva a alunos: “é vedado ao médico deixar de orientar seus auxiliares e alunos a respeitar o sigilo profissional e zelar para que seja por eles mantido” (artigo 78). Recentemente o Conselho Federal de Medicina – CFM, através da Resolução CFM nº 2.336/2023 regulamentou novas regras de publicidade médica, destacando-se aqui aquela sobre a divulgação de boletins médicos para a imprensa que impõe que o médico deverá “adotar tom sóbrio, impessoal e verídico, sempre preservando o sigilo médico”. Além de ser uma norma ética, algumas leis também garantem o sigilo dos dados de Saúde dos pacientes. Na esfera criminal, podemos citar o crime de violação do segredo profissional (artigo 154 do Código Penal), ou seja, “Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa” e a violação de sigilo funcional, cujo funcionário público ocorre em crime ao “revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave” – artigo 325 do Código Penal. Também, segundo o artigo 207 do Código de Processo Penal são proibidas de depor as pessoas que, em razão de suas atividades profissionais, devem guardar segredo – salvo se, autorizadas pela parte interessada, queriam dar o seu testemunho. Assim, o médico está proibido de revelar segredo profissional obtido durante atendimento, assim como atuar como testemunha nos autos processuais. Nessa seara, recentemente a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu trancar uma ação penal que apurava crime de aborto provocado pela própria gestante (artigo 124 do Código Penal), por constatação de que houve quebra do sigilo profissional entre médico e paciente. A situação foi percebida e denunciada pelo médico durante o atendimento médico, tendo este inclusive encaminhado o prontuário da paciente à autoridade policial, objetivando comprovar suas suspeitas de ilicitude, bem como participou como testemunha no processo. Ao trancar a ação penal, a Sexta Turma determinou a remessa dos autos ao Ministério Público e ao Conselho Regional de Medicina ao qual o médico está vinculado, para que os órgãos tomem as medidas que entenderem pertinentes, já que a legislação vigente impede o médico de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal e determina que, se convocado como testemunha, deverá declarar o seu impedimento. Por conta disso, surgem algumas dúvidas recorrentes, em especial como proceder caso seja intimado como testemunha em algum processo. Nesta circunstância, o recomendável é que o médico compareça à audiência e se valha da prerrogativa de se manter em silêncio sobre os fatos da sua profissão, resguardado este direito pela legislação vigente. Com efeito, as normas éticas e penais visam à preservação da intimidade do paciente, punindo o médico que revelar as informações recebidas em razão de seu exercício profissional, pois o segredo pertence ao paciente e o Direito reprime a conduta profissional que injustamente o revele, salvo por expressa determinação legal. Todas as normas éticas e
Edição 348 traz detalhes sobre a nova regulamentação para uso das redes sociais pelos médicos

A regulamentação do uso das redes sociais pela Resolução nº 2.336/2023, do Conselho Federal de Medicina (CFM), é destaque da edição 347 do jornal Medicina, que detalha também vedações trazidas pela norma a fim de proteger o médico e a sociedade. Contrário à comercialização, uso e propaganda de todos os tipos de dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), popularmente conhecidos como vapes e cigarros eletrônicos, o CFM atua junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ao Congresso Nacional para que os dispositivos não sejam liberados e, nesta edição, o leitor acompanha detalhes sobre essa movimentação política e técnica da autarquia. O jornal Medicina traz ainda a inclusão da vacina de dengue no Programa Nacional de Imunizações (PNI), com voto favorável do CFM na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), dentre outras pautas de destaque no mês. Acesse aqui a edição 348, disponível para leitura e download.
Levantamento do CFM comprova onda de violência contra médicos em ambiente de trabalho

Um médico é vítima de violência enquanto trabalha em um estabelecimento de saúde no Brasil a cada três horas. Isto é o que revela levantamento inédito feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) com base na quantidade de boletins de ocorrência (BOs) registrados nas delegacias de Polícia Civil dos estados brasileiros e do Distrito Federal entre 2013 e 2024. Os dados mostram que a situação fica cada vez mais fora de controle, uma vez que o volume de queixas vem aumentando ano após ano. O recorde foi batido em 2023, mas os dados completos de 2024 somente serão conhecidos ano que vem. Desde 2013, o CFM apurou que foram contabilizados 38 mil boletins de ocorrência (BOs) em que médicos foram vítimas de ameaça, injúria, desacato, lesão corporal, difamação, entre outros crimes, dentro de unidades de saúde, hospitais, consultórios, clínicas, prontos-socorros, laboratórios e outros espaços semelhantes. Cerca de 47% dos registros foram contra mulheres. Há, inclusive, registros de mortes suspeitas de médicos dentro de estabelecimentos de saúde. Em 2013, foram registrados pouco mais de 2,6 mil BOs em que um profissional da categoria sofreu algum tipo de violência enquanto trabalhava, seja num ambiente hospitalar público ou privado. Esse número chegou à marca de 3.981 casos em 2023, a maior da série histórica. Isso significa dizer que, em média, apenas no ano passado, foram contabilizados 11 boletins de ocorrência por dia no País por conta de situações de violência contra médicos no local onde atuam. A média é de dois incidentes por hora. Clique aqui para ver a série histórica. A distribuição de ocorrências entre capital (sem considerar região metropolitana) e interior mostra que 66% dos casos ocorreram no interior. De acordo com os dados levantados pelo CFM, os autores dos atos violentos são, em grande parte, pacientes, familiares dos atendidos e desconhecidos. Há ainda casos minoritários de ameaça, injúria e até lesão corporal cometidos por colegas de trabalho, incluindo enfermeiros, técnicos, servidores e outros profissionais da saúde. Estados mais violentos – São Paulo, que tem o maior número de registros médicos do Brasil (26% do total), registrou praticamente a metade dos casos de violência existentes, em termos absolutos. Foram 18 mil dos 38 mil registrados. No estado, pelas informações fornecidas, é possível saber que a média de idade dos médicos que sofrem algum tipo de violência nos estabelecimentos de saúde é de 42 anos. Cerca de 45% dos registros de violência em estabelecimentos de saúde paulistas foram contra médicas. Ou seja, foram 8,1 mil casos nos últimos 12 anos, uma média de quase dois por dia. De acordo com os dados, 45% dos ataques a médicos em São Paulo (8,4 mil casos) ocorreram dentro de hospitais (pronto-socorro, CTI e UTI, centro cirúrgico, consultório). Em seguida, entre as maiores ocorrências, estão os postos de saúde (18%), clínicas (17%), consultório (9%). O restante ocorreu em laboratórios, casas de repousos e outros tipos de estabelecimentos. O Paraná, que aparece como o quinto estado com a maior quantidade de médicos, aparece em segundo lugar no ranking da violência contra profissionais saúde em estabelecimentos de saúde. Foram registrados, pelo menos, 3,9 mil casos de ameaça, assédio, lesão corporal, vias de fato, injúria, calúnia, difamação, desacato e perturbação do trabalho contra médicos na unidade da Federação entre 2013 e 2024 – a maior parte se refere à lesão corporal. Curitiba concentra 12% dos registros. Em terceiro lugar está Minas Gerais, que é o segundo estado com o maior número de médicos do Brasil. A Polícia Civil da unidade da Federação registrou 3.617 boletins de ocorrência, sendo 22% deles na capital, Belo Horizonte. Clique aqui para ver os dados por estado. Se considerada a quantidade média de boletins de ocorrência registrados na série histórica de 2013 a 2023, pelo número de registros de médicos nos estados, Amapá, Roraima e Amazonas são as unidades da Federação com mais registros de violência contra os profissionais. Pelos cálculos do Conselho Federal de Medicina, a cada mil registros de médicos no Amapá, 39 casos de violência foram registrados. Em Roraima, foram 26 BOs para cada mil registros médicos, enquanto no Amazonas foram 24. Já na outra ponta, considerando os estados que detalharam com precisão a quantidade de médicos vítimas de violência em unidades de saúde, aparecem Espírito Santo, com dois registros de BO por mil registros de médicos; Goiás, com quatro registros; e Paraíba, com 4,9. Inadmissível – Para o presidente do CFM, José Hiran Gallo, o número de casos de violência contra médicos em estabelecimentos de saúde, especialmente públicos, causa perplexidade e exige dos gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) e da área de segurança pública – em todas as instâncias (municipal, estadual e federal) – a adoção urgente de medidas efetivas para prevenir e combater a violência em todas as suas formas de manifestação, sob pena de responsabilização de negligência com relação a situações desse tipo. “O Conselho Federal de Medicina apela por providências urgentes contra esses abusos. Os profissionais carecem de segurança física dentro das unidades. Não é apenas o patrimônio que precisa de cuidados. A garantia de condições para o exercício da atividade médica, dentre os quais a oferta de espaço seguro, é imprescindível, assim como o acesso dos pacientes ao direito fundamental à saúde, tanto na rede pública quanto na rede privada”, alertou. O que fazer – Desde pelo menos 2018, por meio de ações em seu site e redes sociais, o CFM tem orientado os médicos brasileiros sobre como agir diante episódios de ameaças ou agressões. O CFM entende que é preciso conscientizar o profissional a não ficar calado e denunciar os abusos. Em caso de ameaça, o médico deve registrar ocorrência na delegacia mais próxima ou online; informar, por escrito, às diretorias clínica e técnica da unidade hospitalar sobre o ocorrido; e apresentar dados dos envolvidos e testemunhas. Ele deve encaminhar o paciente a outro colega, se não for caso de urgência e emergência. Se a ocorrência envolver agressão física, o CFM indica o seguinte: comparecer à delegacia mais próxima e registrar o BO (haverá necessidade